sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

E o que ficou pra trás nem sempre é passado?

Era quase hora, mas ainda se encontrava sentada na beira da cama desarrumada, com lençóis espalhados e fotografias jogadas. Vários dez por quinze’s de rostos, sorrisos, abraços amigos, amor e lembranças. O ponteiro grande avisava que a mochila velha e remendada já tinha de ser retirada de cima de toda aquela bagunça. O momento era bem propício a um olhar de quem procura o que nunca acha.

“Só mais cinco minutos”

A mesma cama encostada na parede mofada. O mesmo lençol. A mesma mochila. O mesmo quarto onde antes dançou, ao som de um mesmo Yan Tiersen, próximo à cortina de espirais da mesma janela aberta. Até o play list continua quase o mesmo de um ano atrás.

Cinco minutos e muito que lembrar. O vento que entreva pela janela enfatizava a sensação já bem conhecida dessa época do ano e bagunçava ainda mais os muitos fios soltos de um cabelo fino, claro e antipático. Uma janela aberta e uma cortina de estampa balançante. Espirais ondulantes e dançantes às lembranças. Trezentos e sessenta e dois dias e um começo de nostalgia: O filme começa, o sorriso aparece e a lágrima se forma.

Tudo parece nítido e recente. As Conversas e infinitas risadas em uma sala de aula de todos os dias. Uniformes, papéis, tesouras em mãos e, quem sabe, no fim do expediente, um sushi. Lamentos, Esperança, TCC e saudade.

As constantes brigas que todos os dias ameaçam o fim de uma fase. O mesmo disco riscado. Lamentos, comparações, desejos. Mentiras, esperança, saudade. Cerveja e papo furado. Risos, libido e ofensas entre as indesejadas fumaças. Rompimento de um plano abstrato e subjetivo.

A perda de quem a vida obriga ir embora. De quem luta por anos ora em uma cama ora apenas vivendo e sentindo. Força de vontade interrompida pelo que há de mais temido pela medicina e inexplicável pelo homem. Velas, tristeza, família, memória, dor e a velha e forte saudade.

É da vida, as pessoas se afastam, crescem, trabalham, procriam, trabalham, namoram, trabalham, se desentendem, se afastam e trabalham. Os amores vão embora, mas a amizade fica. Não importa muito se a distância se faz tão presente quanto à saudade de momentos de tempos atrás. O que importa é que amizade “é sempre amor mesmo que mude”.

Cinco minutos e o ponteiro grita. É tão rápido quanto trezentos e sessenta e cinco dias.

Enfim é hora de pegar a mochila abarrotada de coisas e cair na estrada. A lágrima corre consciente de que mais doze meses se aproximam. Consciente de que o fim do mundo não acabou e quem sabe agora a coisa engrene. Quem sabe aquela felicidade de final de filme, onde todos choram felizes, onde o amor sempre vence e a vida é tão linda quanto à trilha sonora do casal que se beija, esteja presente na retrospectiva de dois mil e treze.

sábado, 22 de setembro de 2012

Práxis agonizante

O insistente abrir dos olhos agonizava seu sonho atordoado. A tentativa de fuga era inútil. Como de costume, aliás, nos últimos meses. Longos meses perturbados por dúvidas renitentes.

Acordou finalmente. As seis chamadas não atendidas quase se encontravam com os olhos inchados e remelas secas de uma noite mal dormida. A dor ainda se encontrava na vista cansada. Com certeza a consulta ainda não marcada com o oftalmologista não resolveria seu problema.

Cinco e meia da manhã, hora de teorizar a situação para enfim por em prática ideias que nunca se concretizam: Práxis-matinal-cotidiana-idealizada. Inútil costume.

Respirar fundo, engolir a saliva, discar o numero.

“Não”.
O orgulho sempre fala mais alto.

A água gelada por hora resolveria. O banho mandava embora as palavras ditas e as poucas ouvidas. A toalha por fim enxugaria o arrependimento e o telefone tocaria em seguida:

“Bom dia”.

domingo, 17 de junho de 2012

História de uma mente perturbada

Onze horas da noite. Chuva, frio, lágrimas e latidos desesperados de um Vira-lata desengonçado e fiel. Em conjunto, a persiana quebrada e mal lavada batia fortemente na janela de vidro do quarto claustrofóbico. Uma verdadeira sinfonia de horror, tocada por um maestro em perfeito desequilíbrio mental.



 
Cenário perfeito: Insensatez e medo.

Os motivos, aos olhos de alguns, até podia parecer banal, um tanto fantasioso, pois sim. Mas aos olhos da garota, o que acontecia há tempos era fato. A perseguição era tão real quanto a árvore seca avistada por entre a persiana.  O coração, há dias, batia forte, feito a goteira insistente e mal educada que caia na panela de aço velho, junto às garrafas vazias jogadas ao chão, naquele momento. Um barulho em sintonia ao também desespero canino ao seu lado.

A largada foi dada. Seu instinto de sobrevivência gritava tanto, ao ponto de quase acordar os vizinhos, já desacreditados com as chamadas loucuras quase esquizofrênicas e embriaguices da garota. Recolheu o quase-nada que havia no quarto fendendo à cerveja e levou consigo seu animal, o que tinha de mais valioso e confiável.

Onze horas. Domingo e chuva. As ruas desertas e lamacentas registravam o esquecimento, por parte do governo, daquele bairro periférico. As casas de madeira velha, feitas de pedaços sujos, comidos por cupins, jogados pelo meio das ruas estreitas, acentuavam o pavor embutido naqueles olhos castanhos. A pouca esperança estava quase desaparecendo por completo e o instinto humano-animal quase tomado pela desistência, até ouvir o latido do amigo desesperado direcionado ao fim da rua tortuosa.

Finalmente uma casa desapossada. Entraram. Não foi difícil, a madeira velha ajudou. Apenas um cômodo, uma cama, uma mesa de canto, um fogão velho portátil, um espelho encaronchado e uma janela de vidro quebrado.

Acomodou-se entre a poeira posta no canto esquerdo de um lençol encardido de uma cama aos pedaços. O cachorro preferiu debaixo do móvel, o chão parecia mais confortável. Enquanto isso as horas passavam e só a chuva permanecia insistente.

A garota acordou assustada, porém percebendo o mais importante:

“Ainda estou viva.”

Pôs a mão direita debaixo da cama e, mais calma, sentiu a língua do cachorro lamber seus dedos. Era só esperar a chuva passar e seguir caminho. Fechou os olhos.

 A agonia a fez novamente acordar sobressaltada. Mais uma vez pôs a mão e sentiu a língua quente do animal. Agradeceu ao cachorro. Fechou os olhos e os arregalou no exato momento em que ouviu um barulho vindo em direção da janela. O medo a tomava por completo enquanto o silencio se apossava do local.

Aqueles olhos castanho-arregalados percorreram corajosos cada ponta daquele espaço escuro. A respiração ofegante parou quando enfim conseguiu ler as letras escorridas e vermelhas escritas no espelho:

“Humanos também sabem lamber!”

A vontade de chorar entalou-se na garganta seca sedenta por um grito sôfrego abafado pelas mãos sujas de sangue vira-lata. A luta pela sobrevivência travada frente ao espelho a impossibilitava de enxergar o rosto da coisa que a agarrava. A tentativa de fuga foi neutralizada pelo objeto metálico e pontiagudo ainda quente que lhe perfurava lentamente a carne das costas. Gesto repetido várias vezes, ao som da chuva, por puro prazer de uma mente doentia.

 A desistência acabou no exato momento em que percebeu seu corpo caindo inerte ao chão sujo com os olhos direcionados ao que ainda encontrava-se debaixo da cama. A cabeça do animal, desprendida de seu corpo esquartejado foi a última coisa que aqueles olhos castanhos puderam ver ainda com vida.