domingo, 15 de agosto de 2010

O que ser quando crescer?

Logo após pedir a atenção daqueles pequeninos corpos e mentes, desde já, bem pensantes, comunicou-os o assunto da aula daquela manhã de meio de semana. Profissão seria.

Naquele mesmo instante comecei a imaginar o rosto de cada um daqueles futuros ocupantes de cadeiras do mercado de trabalho. “Quais serão seus futuros rostos?”, “Quais angustias, gratidões e satisfações acerca do mundo adulto lhe estarão por trás?” Mergulhei em cada olhar, com uma grande expectativa, confesso, a respeito das respostas que por eles seriam dadas a ela.

“Engenheiro”, respondiam alguns. A mais delicada havia dito que queria ser bailarina quando crescesse. Outros desejavam ser médicos. Mas foi nela, na que eu menos esperava, que meus ouvidos e olhos se direcionaram surpresos e até mesmo um tanto agradecidos: “Professora! Tia, quero ser professora”.

De aproximadamente trinta corpinhos ali presentes em suas carteiras, só uma havia sentido vontade de estar, daqui a uns anos, no lugar de uma das “tias” que lhe olhavam. Sei que pode ser apenas uma vontade momentânea. Por quê? A resposta está na nossa cultura, que desvaloriza um dos mais importantes e antigos ofícios. O meu futuro ofício. Este que outrora também não valorizei.

Agora, percebo sua necessidade e começo a sentir a paixão que envolve, não apenas as mentes, mas também os corações dos muitos que se envolvem de verdade com o seu real objetivo. E assim espero o fazer, o sentir e repassar a importância que ela tem afim de que outros pequenos corpos pensantes desde cedo tenham essa mesma consciência.

Fluorescência

Estava fechada, a porta. Durante meses permaneceu assim. Sempre passava pela frente desta, mas minhas veias dilatavam ao sentir meu sangue por entre elas. Meu coração corria mais rápido. Estática permanecia. E mesmo assim dava-me conta de que era hora de seguir em frente e puxar do bolso aquela chave enferrujada. Pensei realmente em torcê-la na maçaneta, mas todos aqueles sintomas recomeçavam a articular em mim.

Virei de costas. Foi aí que o vi. E como se flutuasse me acalmei. Acalmou-me. Aqueles olhos grandes, cor de terra seca, fitavam meu “dentro” e sem pensar muito, quase que hipnotizada por aquela cor daqueles olhos gigantes, entreguei o objeto enferrujado sem pestanejar.

Foi então que fez o que há tempos não tive coragem de fazer.

Ao ranger da porta, olhávamos as cores fluorescentes, misturando-se umas às outras, multicolorindo-se em formas abstratas, porém concretas ao tocar nas peles ali presentes. Eram suaves em momentos e ríspidos em outros. E mesmo assim eu gostava. Sabia que era assim que as cores funcionavam. Podia sentir aquele gozo de ansiedade e satisfação. Podia as sentir tocarem-me durantes horas a fio. Mas também sabia que em certo momento aquela sopa de sentimentos e cores acabaria. Só não imaginava que se esgotariam no momento em que fui trancada ali pelos olhos de terra. Olhos de terra seca.

Permaneço aqui dentro. Esperando alguém torcer a maçaneta e poder ver-me multicolorindo, mais uma vez, às cores que agora não consigo fluorescer.

Abraços

Eu sei, no fundo, que meus braços não são compridos o suficiente. Teriam que medir quilômetros infinitos de comprimento afim de que assim pudessem enfim abraçar tudo o que quero e até mesmo o que não me ganhe pelo gosto, assim logo de cara como essas outras coisas.

Não é de tão egoísta da parte desse meu coraçãozinho, um tanto menos modesto, eu sei. Mas o fato é que só queria poder rir o tempo todo ao lado de todas essas coisas e momentos e cheiros que quero agarrar de uma só vez.

É. Também sei que é isso que faz da minha essência uma criança. Isso é típico delas. Bato pé, esperneio, grito, choro. Mas no fim acabo por admitir todos esses caracteres que pra minha faixa etária já não são mais vistos com bons olhos como quando eram na “minha época”.

Não posso deixar de lado toda a musicalidade do cheiro daqueles e desses momentos misturados em uma só cor, em cada poro do meu abraço de braços que eu sei que não medem quilômetros infinitos de comprimentos.