A garotinha do vestido vermelho não parava de tagarelar, enquanto andava pela calçada, um segundo se quer a respeito do filme [aliás, ela simplesmente nunca parava]. O filme no qual sonhara a semana toda pra assistir ao lado da mãe, a cirurgiã plástica, esteticamente falando, tão ocupada com suas consultas ricas. Ricas de ausência de conteúdo.
Larissa agora andava de mãos dadas com as da mãe, tão feliz com seu vestido, empolgantemente-sorridente-estridente só de pensar que finalmente sua mãe arranjara um tempo em sua divertida agenda. Sem saber que, segundos depois, algo lhe tiraria o filme de seu foco. Benditos segundos que mudariam a vida pensante da pequena garotinha.
Logo adiante à calçada, avistara algo. De longe, no chão. Era um amontoado de panos velhos a princípio. Justificável que fosse realmente, a garota há um ano precisava de óculos. Tentara comunicar a mãe, mas o Motorola dela sempre chegava aos seus ouvidos antes que Larissa.
Foram se aproximando daquele amontoado e percebera que debaixo dele havia alguém. Alguém sentado no chão, sujo, cabelo bagunçado, com odor desagradável muito forte e uma caneca de plástico estendida na mão direita, dessas de lojinhas de um e noventa e nove, envolvida pelas mãos gastas com dedos feridos.
Sua cabecinha, tão pequenininha começara a crescer e montar uma série de pensamentos, assim, feito gente grande faz. Olhou bem para aquele cara ali jogado, olhou dentro dos olhos dele. Olhos que também a fitavam, tentando disfarçar aquele amargurado todo. Foi então que desarmara a mãe com tantas perguntas. Talvez tenha sido a primeira vez que esta prestara de fato atenção em algo que a filha houvera dito:
“Mãe, por que aquele velhinho tá sentado no chão? Ele não tem casa? Por que ele segura uma caneca? Por que têm moedas dentro dela e não um café ou suco ou aquele chá que a senhora toma? Por que eu tô vestida de vestido novo de cor bonita e ele tá com esse remendo velho de cor feia e suja? Ei mãe, por quê? Hein, mãe? Mãe!”
A mãe ouvira tudo o que Larissa dissera, mas achara mais fácil fazer o que faz sempre:
“Quieta Larissa. Anda rápido se não a gente se atrasa pro filme. A gente vai comer antes, esqueceu que eu tô com fome? Tive que passar no banco e sacar dinheiro, nem deu tempo de comer nada.”
“Mas mãe... Então por que ele não pega o cartão de crédito dele, vai no banco e pega um dinheiro pra comer alguma coisa? Ele parece que tem fome..”
Aquilo era demais pra cabecinha de Larissa. Acabara de completar cinco anos, era quase impossível uma menininha entender o porquê da existência de alguém no chão, sujo, sem dinheiro, enquanto ela, vestida e perfumada, ia ao cinema gastar o tanto que a mãe tinha.
No meio do filme, a única coisa que conseguiu pensar e dizer foi:
“Mãe? Quando a gente voltar, vamo deixar pra aquele velhinho um hambúrguer bem grandão?”
Pena que o que ela ainda desconhecia era a efemeridade das coisas. Não podia saber que poucas horas depois, o velhinho já não existiria mais.
Para mim esse é o melhor dos teus textos. Assim como é o mais triste, pois, falar da realidade, mesmo de maneira poética é pensar nas injustiças sociais. bjuu bill.
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